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28 de maio de 2024

Olfato em Foco

Lembranças e emoções pelo olfato: o que a ciência diz sobre esse sentido

Você já sentiu um cheiro e, instantaneamente, foi transportado para uma lembrança específica? Talvez a casa da avó, uma viagem marcante ou até mesmo o abraço de alguém querido? 

Essa experiência é mais comum do que parece e tem explicação científica: o olfato é um dos sentidos mais poderosos e intimamente ligados à nossa memória e às nossas emoções.

O olfato e sua ligação ancestral com o mundo

O olfato é um sentido primitivo e essencial, presente nos seres humanos e em outros mamíferos como ferramenta de sobrevivência e socialização. Ele é usado, por exemplo, para reconhecer alimentos seguros, evitar substâncias tóxicas e identificar membros do mesmo grupo. 

Em humanos, embora o papel de sobrevivência imediata seja menos evidente, a importância do olfato persiste, especialmente em sua capacidade de evocar lembranças e influenciar estados emocionais.

Pesquisas já demonstraram que o sistema olfativo está funcional ainda durante a gestação: fetos humanos conseguem detectar moléculas odoríferas presentes no líquido amniótico. 

Após o nascimento, bebês demonstram preferência por odores familiares, como o da própria mãe – daí a expressão popular “cheiro de mãe” fazer tanto sentido.

Mulher cheirando flores. A imagem ilustra as emoções e lembranças pelo olfato.

Lembranças e emoções pelo olfato em números

Cientificamente, sabe-se que o olfato está diretamente conectado ao sistema límbico, região cerebral responsável pelas emoções, memória e motivação. 

Diferente da visão e da audição, cujos estímulos são processados antes de chegar às áreas emocionais do cérebro, os sinais olfativos fazem uma rota direta ao bulbo olfativo, que se conecta com estruturas como a amígdala (associada ao conteúdo emocional) e o hipocampo (essencial para a formação da memória autobiográfica).

Essa conexão privilegiada ajuda a explicar o fenômeno conhecido como efeito Proust: termo cunhado em referência ao autor Marcel Proust, que descreveu em sua obra como o cheiro de um biscoito o transportou de volta à infância. 

Hoje, a neurociência reconhece esse fenômeno como real: memórias evocadas por cheiros tendem a ser mais emocionais, vívidas e antigas do que aquelas acionadas por estímulos visuais ou auditivos.

Além disso, memórias olfativas geralmente são menos verbais e mais sensoriais, o que as torna mais resistentes ao esquecimento e menos propensas à reconstrução racional. 

Isso ocorre porque o cérebro armazena essas experiências diretamente em redes emocionais e sensoriais, sem passar, necessariamente, por áreas associadas à linguagem ou ao julgamento consciente.

Além disso, números reforçam o poder do olfato: o ser humano possui cerca de 400 tipos diferentes de receptores olfativos, que, combinados, permitem detectar mais de 1 trilhão de cheiros diferentes. 

Para efeito de comparação, conseguimos identificar cerca de 10 milhões de cores e distinguir aproximadamente 500 mil sons. 

Não por acaso, o especialista em neurociência do consumo Martin Lindstrom aponta que até 75% das emoções que sentimos ao longo do dia estão relacionadas, de forma consciente ou inconsciente, aos cheiros.

Muito além do nariz: como processamos os cheiros

Sentir um cheiro envolve muito mais do que apenas captar moléculas no ar. Após a detecção pelos receptores localizados na cavidade nasal, as informações são processadas no bulbo olfativo e rapidamente encaminhadas para regiões cerebrais como:

  • Amígdala:  interpreta o conteúdo emocional do odor;
  • Córtex orbitofrontal: codifica o prazer, o nojo e a recompensa relacionados ao cheiro;
  • Hipocampo: armazena e resgata memórias associadas ao odor;
  • Córtex pré-frontal: participa na tomada de decisões baseadas em experiências anteriores;
  • Córtex cingulado anterior: integra emoção e ação, influenciando o comportamento motivado por recompensas.

Além disso, o sistema olfativo é altamente plástico – ou seja, ele se adapta continuamente às experiências sensoriais, emocionais e ambientais ao longo da vida. 

Exposições repetidas a determinados cheiros podem torná-los mais familiares e agradáveis (ou desagradáveis), a depender do contexto em que foram vivenciados. Essa plasticidade ajuda a explicar por que o olfato é tão pessoal, mutável e sensível ao tempo.

Esse percurso explica por que um simples cheiro pode despertar uma reação intensa – da euforia à aversão – em questão de segundos.

A anosmia: quando o mundo perde o cheiro

Infelizmente, nem todos conseguem experimentar essas sensações olfativas. A anosmia, que é a perda total ou parcial da capacidade de sentir cheiros, afeta cerca de 5% da população mundial. 

Essa condição pode ser congênita, adquirida por infecções virais (como a Covid-19), traumas ou distúrbios neurodegenerativos. Durante a pandemia, o aumento de casos de anosmia temporária ou persistente trouxe luz ao papel negligenciado do olfato no bem-estar e na qualidade de vida.

A perda do olfato vai muito além da ausência de prazer ao comer ou de apreciar uma fragrância: ela pode afetar a segurança (por exemplo, ao não perceber vazamentos de gás ou alimentos estragados), a socialização e até o reconhecimento de si mesmo e dos outros. Estudos mostram que pessoas com anosmia têm maior propensão à depressão, ansiedade e isolamento social.

Em reconhecimento à importância do tema, foi instituído o Dia Mundial da Conscientização da Anosmia, celebrado em 27 de fevereiro, como forma de dar visibilidade à condição e promover avanços em sua compreensão e tratamento.

Cheiros, identidade e cultura

Vale lembrar que a experiência olfativa é única para cada indivíduo e pode ser influenciada por fatores como genética, repertório sensorial, cultura, gênero, etnia e até mesmo estado emocional. 

O que é agradável para uma pessoa pode ser neutro ou até desagradável para outra. Isso reforça a importância de entender o olfato não apenas como um fenômeno biológico, mas também como uma construção sensível e cultural.

Grupo Boticário segue estudando o olfato

No Grupo Boticário, o olfato é tema de estudo contínuo. O Centro de Pesquisa do Olfato tem como missão aprofundar o conhecimento científico sobre esse sentido e disseminá-lo de forma acessível à sociedade, reforçando sua importância no nosso dia a dia. 

Referências bibliográficas:

Buck, L., & Axel, R. (1991). A novel multigene family may encode odorant receptors: a molecular basis for odor recognition. Cell, 65(1), 175–187.

Shepherd, G. M. (2004). The human sense of smell: are we better than we think? PLoS Biology, 2(5), e146.

Bushdid, C., Magnasco, M. O., Vosshall, L. B., & Keller, A. (2014). Humans can discriminate more than 1 trillion olfactory stimuli. Science, 343(6177), 1370–1372.

Herz, R. S. (2016). The role of odor-evoked memory in psychological and physiological health. Brain Sciences, 6(3), 22.

Stevenson, R. J. (2010). An initial evaluation of the functions of human olfaction. Chemical Senses, 35(1), 3–20.

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Boesveldt S, Parma V. The importance of the olfactory system in human well-being, through nutrition and social behavior. Cell Tissue Res. 2021 Jan;383(1):559-567. doi: 10.1007/s00441-020-03367-7. Epub 2021 Jan 12. PMID: 33433688; PMCID: PMC7802608.