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17 de novembro de 2025

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O “lasting” que ninguém vê: por que a duração do perfume é decidida pelo seu cérebro

Quando avaliamos um perfume, a primeira pergunta é quase sempre: “ele fixa bem?”. O “lasting”, ou a longevidade da fragrância, é sinônimo de qualidade.

A resposta tradicional para essa pergunta sempre foi química. Aprendemos que um Parfum (com 25-40% de óleo) dura mais que um Eau de Toilette (8-18%), e que as “notas de base” são as responsáveis pela longevidade, por evaporarem por último.

Isso tudo está correto, mas é apenas metade da história.

A química na pele é apenas o começo da jornada. A verdadeira experiência do lasting – o tempo que você percebe o perfume – não é uma propriedade do frasco. É um evento neurobiológico complexo, que começa e termina no seu eixo nariz-cérebro.

O mito do “fixador” e a verdadeira química do lasting

Ao contrário do senso comum, não existe um ingrediente mágico chamado “fixador” que “cola” os outros cheiros na pele. O que popularmente se chama de “fixação” é, na verdade, uma propriedade da volatilidade molecular.

Um perfume é uma arquitetura de moléculas de diferentes pesos:

  • Notas de Topo (leves): cítricos, herbais. São as primeiras a evaporar, criando o impacto inicial.
  • Notas de Corpo (médias): florais, especiarias. São a “personalidade” do perfume. Têm volatilidade média, “costurando” a saída com o fundo e formando o tema principal.
  • Notas de Base (pesadas): almíscares, resinas, madeiras. São moléculas grandes e densas. Elas simplesmente demoram muito mais horas para evaporar.

O lasting químico é o tempo que essas moléculas da fragrância permanecem na pele. Mas, como veremos, a química é apenas o começo.

O paradoxo do perfume: por que você deixa de sentir?

Pense no paradoxo mais comum da perfumaria: você aplica seu perfume favorito pela manhã. Em duas horas, você não sente mais nada. Você pensa que o perfume “sumiu”. No entanto, às seis da tarde, alguém se aproxima e elogia sua fragrância.

Como o perfume pode ter “sumido” para você, mas estar perfeitamente presente para outra pessoa?

A resposta é que a molécula química ainda está na sua pele, mas o seu cérebro decidiu parar de “ouvi-la”. Para entender isso, precisamos ver como o cérebro “lê” um cheiro.

Como o cérebro lê o cheiro: o código secreto do olfato

Antes de o cérebro decidir “ignorar” um cheiro, ele precisa primeiro “lê-lo”. Essa leitura não é simples. Nosso cérebro usa dois mecanismos que trabalham juntos para decifrar a complexidade de um perfume:

  1. O “Acorde Combinatório”
    A maioria das moléculas não têm um receptor único. Em vez disso, uma única molécula ativa um padrão de múltiplos receptores ao mesmo tempo. O cérebro lê esse “acorde” (como a harmonia de uma música) para entender a “textura” geral da fragrância. É isso que dá a sensação de riqueza e complexidade.
  2. A “Chave-Fechadura”
    Ao mesmo tempo, existem moléculas-assinatura que são as “solistas” da orquestra. Elas ativam um receptor altamente específico, de forma muito parecida com uma chave única em uma fechadura. Isso cria notas muito claras e distintas dentro da composição.

O lasting perceptual depende da leitura contínua desses padrões e solos. O problema é que o cérebro se cansa dessa música.

O filtro inteligente do cérebro: a adaptação

O fenômeno de “parar de sentir” o próprio perfume chama-se adaptação olfativa.

Seu sistema olfativo não evoluiu para apreciar perfumes; ele evoluiu para a sobrevivência. Sua função principal é detectar mudanças no ambiente: o cheiro de fumaça (perigo) ou de comida (recompensa).

Quando você aplica um perfume, ele é uma novidade. O cérebro lhe dá total atenção. Mas, se esse cheiro permanece constante e se prova inofensivo, o cérebro o reclassifica de “informação” para “ruído de fundo”. Ele ativamente filtra esse sinal para que possa permanecer alerta a novas mudanças.

Estudos científicos provam isso: mesmo quando você pára de perceber o cheiro, os receptores no seu nariz continuam a disparar. O nariz não se “cansa”. É o cérebro que aperta o botão “mudo”.

O “botão de desligar” está no próprio nariz

A ciência recente descobriu um mecanismo ainda mais fascinante. O “lasting” não é apenas sobre o cérebro filtrar o sinal; o próprio nariz possui um “botão de desligar” biológico.

Seus neurônios olfativos (que detectam o cheiro) são cercados por “células de suporte” (células da glia). Pesquisas indicam que, quando um cheiro é muito constante, essas células de suporte também “sentem” o odor e liberam substâncias que inibem o neurônio vizinho. Elas essencialmente dizem ao neurônio para “parar de enviar essa mensagem repetitiva”.

A ironia é que uma nota de base super persistente e linear – o auge da longevidade química – é o estímulo perfeito para ativar esse mecanismo de desligamento biológico.

O lasting é pessoal: a biologia da percepção

Se o lasting é uma percepção biológica, isso explica por que ele é tão dramaticamente diferente de pessoa para pessoa. A queixa de “baixa fixação” pode não ser uma falha do produto, mas um reflexo da biologia única do usuário.

Vários fatores modulam essa percepção individual:

  1. A “anosmia específica” (genética): Cada pessoa possui um conjunto único de receptores olfativos, determinado por sua genética. Existem “anosmias específicas” – a incapacidade de cheirar uma molécula específica. Por exemplo, sua capacidade de sentir o Ambróxido (uma molécula de base crucial) está ligada a um gene (OR7A17). Se você tiver a variação “não funcional” desse gene, será geneticamente incapaz de sentir essa molécula. Para essa pessoa, o perfume não tem aquela nota de base, porque, para o seu nariz, aquela molécula nunca existiu.
  2. O “volume” da idade (presbosmia): Com a idade, todos nós perdemos sensibilidade olfativa (presbosmia). Nosso “limiar de detecção” aumenta. Imagine que o perfume na sua pele é um som que vai diminuindo de volume. Uma pessoa jovem (com limiar baixo) pode ouvi-lo por 8 horas. Uma pessoa mais velha (com limiar alto) pode parar de ouvi-lo após 3 horas, mesmo que o “som” (a química) seja o mesmo.
  3. Saúde e ambiente (hormônios, poluição): A percepção muda constantemente. Fatores hormonais (como a menopausa) podem diminuir o fluxo sanguíneo nasal, reduzindo a percepção. A poluição do ar pode inflamar cronicamente o epitélio nasal, elevando o limiar de detecção de todos que vivem na cidade. E, como vimos com a COVID-19, danos virais podem causar anosmia (perda total) ou parosmia (distorção do cheiro), criando um “lasting quebrado” onde uma nota de baunilha persistente passa a ser sentida como algo queimado.

Como “enganar” o cérebro: o futuro do lasting

Entender que o lasting é uma experiência neurobiológica muda tudo. O desafio da perfumaria moderna não é apenas criar moléculas de base que durem mais na pele – o que, como vimos, pode até acelerar a adaptação.

A verdadeira inovação está em criar fragrâncias que “conversem” com o cérebro. A pesquisa sugere que fragrâncias não lineares, que funcionam com picos de ativação – talvez reintroduzindo notas mais leves ou florais inesperadamente ao longo da evolução – são mais eficazes.

Cada “pico” age como uma novidade, forçando o cérebro a “reacordar” e reavaliar o cheiro. Isso reinicia o relógio da percepção.

A próxima vez que você avaliar um perfume, lembre-se: a química determina o tempo que a molécula fica na sua pele. Mas é a sua biologia que decide por quanto tempo o seu cérebro continuará prestando atenção nela.