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13 de junho de 2025

NotíciasOlfato em Foco

DNA, Âmbar Cinzento e Perfumaria: a diversidade olfativa revelada pela genética

Mulher avalia fragrâncias em laboratório de memórias olfativas.

Você sabia que a forma como percebemos um cheiro pode depender do nosso DNA? O caso do âmbar cinzento, uma substância rara e valiosa na perfumaria, revela como variações genéticas afetam a experiência sensorial de fragrâncias e por que nem todos sentem um cheiro da mesma forma.

O âmbar cinzento é uma secreção natural produzida por cachalotes, utilizado há séculos como matéria prima em perfumaria, sendo responsável pela durabilidade da fragrância bem como nota de fundo em perfumes sofisticados.

Por questões éticas e ambientais, ele é atualmente substituído por sua versão sintética mais conhecida: o (-)-Ambróxido. Essa molécula aparece em fragrâncias renomadas, como Malbec Gold, que valoriza suas notas quentes e amadeiradas, e Arbo Ocean, que acentua seu lado mineral e marítimo. O que a ciência revela é que nem todo mundo sente esse cheiro da mesma maneira e a explicação está nos nossos genes.

A percepção desse cheiro não é universal

Pesquisadores identificaram que a agradabilidade percebida do Ambróxido está diretamente relacionada à funcionalidade de um receptor olfativo específico: o OR7A17. Esse receptor se liga ao Ambróxido e modula não apenas sua detecção, mas também a valência emocional atribuída ao cheiro — ou seja, o quão agradável ou prazeroso ele é percebido.

A descoberta central do estudo está no impacto das variações genéticas do gene OR7A17. Indivíduos com alelos funcionais do receptor são mais propensos a perceber o Ambróxido como um odor rico, amadeirado, levemente doce e marítimo. Ou seja, um cheiro agradável e sofisticado. 

Já os indivíduos com alelos não funcionais ainda conseguem detectar o composto, mas o descrevem como um odor mais neutro ou pouco agradável, sem as nuances e profundidade experienciadas por aqueles com o receptor ativo.

E aqui entra a implicação mais surpreendente: essas diferenças genéticas se distribuem de forma desigual no globo. A frequência de alelos não funcionais do OR7A17 é significativamente mais alta em populações do Leste Asiático, como japoneses e chineses. Isso ajuda a explicar registros históricos que mostram um uso do âmbar cinzento nessas culturas mais como composto para aumentar a durabilidade de fragrâncias, e não pela qualidade aromática do composto em si — que, para muitos, não era valorizada ou sequer percebida como agradável.

Por que isso é relevante?

Na perfumaria

Compreender como variações genéticas afetam a agradabilidade de cheiros específicos pode ajudar a personalizar fragrâncias para diferentes mercados regionais e culturais. Perfumes que fazem sucesso na Europa ou América do Sul, por exemplo, podem não gerar a mesma resposta emocional no Leste Asiático, mesmo usando os mesmos ingredientes. Essa ciência da individualização olfativa é uma fronteira promissora para a inovação na perfumaria.

Na neurociência do olfato:

Até então, os receptores olfativos humanos eram majoritariamente estudados em relação à intensidade ou detecção de odores, não à sua agradabilidade. O OR7A17 é um dos primeiros receptores humanos associados diretamente à valência positiva de um odor, uma função até então documentada apenas em modelos animais, como roedores, no contexto de feromônios e quimiocinas.

Na evolução:

Curiosamente, o Ambróxido compartilha semelhanças estruturais com compostos esteroidais endógenos como a androstenona, a androstadienona e a estratetraenol — todos relacionados a feromônios e à comunicação social em mamíferos. Isso levanta a hipótese de que o OR7A17 pode ter evoluído para detectar sinais químicos corporais derivados de esteroides, com funções sociais ou reprodutivas. A ligação hedônica ao Ambróxido, portanto, pode ser um eco evolutivo de receptores ancestrais ligados a odores corporais.

Na antropologia sensorial:

Essa pesquisa oferece uma explicação genética para variações culturais na valorização de certos odores. Enquanto o âmbar cinzento foi considerado precioso por séculos em regiões como Europa, Oriente Médio e Norte da África, ele não teve o mesmo prestígio olfativo no Leste Asiático. Essa diferença de percepção agora pode ser entendida não apenas como uma construção cultural, mas também como reflexo de mutações genéticas herdadas e distribuídas geograficamente.

Cheirar é humano, mas nem sempre igual

Essas descobertas ampliam o entendimento sobre como a genética pode modular não só a detecção de um cheiro, mas também sua valência hedônica – o prazer que ele evoca. Revelam ainda como fatores biológicos e culturais se entrelaçam na construção da experiência olfativa. 

O caso do âmbar cinzento e do receptor OR7A17 exemplifica isso de forma marcante: um mesmo composto pode ser percebido de forma rica e encantadora por alguns, e neutra ou pouco agradável por outros, com base em variantes genéticas específicas.

Compreender essas diferenças é essencial para inovar em áreas como a perfumaria, a neurociência sensorial e a antropologia dos cheiros e também para valorizar a diversidade olfativa humana em toda a sua complexidade.

Referência

Takase D, Shirai T, Misawa K, Matsunami H, Yoshikawa K. An odorant receptor for a key odor constituent of ambergris. Commun Biol. 2025 May 23;8(1):792. doi: 10.1038/s42003-025-08229-y. PMID: 40410270; PMCID: PMC12102163.