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11 de fevereiro de 2025

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Adaptação olfativa: a inteligência do nosso olfato

Você já se perguntou por que não sente mais o cheiro da sua própria casa ou do seu perfume favorito depois de um tempo? Isso acontece por causa de um fenômeno fascinante e essencial para a nossa sobrevivência, chamado adaptação olfativa. Nosso cérebro é programado para ignorar cheiros familiares e persistentes, liberando o sistema olfativo para detectar novas pistas no ambiente, que podem indicar perigo, como fumaça ou comida estragada.

Essa capacidade de ajuste contínuo permite que nosso olfato se adapte e permaneça alerta. Mas, como a ciência tem revelado, esse processo é muito mais complexo e dinâmico do que se imaginava.

Como a ciência desvenda a adaptação

Por muito tempo, acreditou-se que a adaptação olfativa ocorria principalmente nas células do nariz, que ficavam exaustas após a exposição contínua a um cheiro. No entanto, estudos recentes desafiam essa ideia. Uma pesquisa que usou o eletro-olfactograma (EOG), uma técnica que mede a atividade elétrica do epitélio olfativo em humanos, mostrou que a percepção subjetiva de um cheiro diminuiu com a exposição repetida, mas a resposta elétrica do nariz permaneceu a mesma. Isso sugere que a adaptação acontece, na verdade, de forma mais significativa no nosso cérebro, em um processo chamado adaptação central, que envolve áreas como o hipocampo e o córtex olfativo.

Além disso, a ciência descobriu que a adaptação também depende de como o cheiro chega ao nosso olfato, apoiando a hipótese da Dualidade do Olfato:

  • Via Ortonasal: Quando inalamos um odor pelo nariz (associado ao ambiente externo), nosso sistema se adapta rapidamente e a intensidade percebida diminui.
  • Via Retronasal: Quando o cheiro vem da boca (associado ao sabor), a percepção não se adapta da mesma forma. Pelo contrário, a intensidade de alguns aromas pode até aumentar com a exposição contínua. Essa distinção sugere que a falta de adaptação retronasal é um mecanismo evolutivo para manter o prazer do sabor e incentivar a alimentação.

Outra descoberta surpreendente é o papel das células da glia, que, por muito tempo, foram vistas apenas como células de suporte para os neurônios. No entanto, um estudo em C. elegans (um tipo de verme) mostrou que as células da glia também atuam como quimiorreceptores, ou seja, detectam odores. Ao serem ativadas por um odor, a glia inibe o neurônio vizinho, promovendo a adaptação olfativa. Esse “modelo de dois receptores” mostra uma nova camada de complexidade no funcionamento do nosso olfato, onde a comunicação entre a glia e os neurônios é fundamental para a forma como percebemos o mundo.

O papel dos receptores olfativos na adaptação

A pesquisa continua a revelar detalhes fascinantes, como a descoberta de que alguns receptores olfativos podem ser inibidos por certas moléculas, ou seja, eles não apenas “ligam” mas também “desligam” a percepção de um cheiro. Esses compostos, conhecidos como antagonistas, se ligam aos receptores e os estabilizam, facilitando sua expressão na superfície celular. Essa descoberta é promissora, pois sugere que a manipulação da expressão dos receptores pode ser uma estratégia para o treinamento olfativo, que tem sido usado para melhorar a percepção de cheiros em pessoas com olfato diminuído.

A plasticidade do nosso olfato, portanto, é um campo vasto e em constante evolução, que vai da simples percepção diária à complexa biologia celular. Ela nos ajuda a reconhecer aromas relacionados à alimentação, identificar sinais de perigo e criar memórias olfativas que influenciam nossas emoções e interações sociais. Essas descobertas abrem um vasto campo de possibilidades, desde o desenvolvimento de novos tratamentos para disfunções olfativas até a criação de perfumes e alimentos com fragrâncias e sabores ainda mais precisos e inovadores.

Referências:

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