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3 de setembro de 2024

Olfato em Foco

A importância do olfato: perfumando a evolução humana

Ao longo da história da humanidade, o olfato desempenhou papéis fundamentais para a sobrevivência, adaptação e evolução da nossa espécie. 

Embora muitas vezes subestimado, esse sentido está diretamente conectado a áreas profundas do cérebro, responsáveis por respostas emocionais, memórias e comportamentos sociais. Mas qual foi, afinal, sua importância evolutiva?

Sobrevivência e detecção de riscos

Desde os primeiros hominídeos, o olfato foi essencial para detectar alimentos estragados, fontes de perigo como fumaça e predadores, além de orientar deslocamentos no ambiente natural. 

Embora hoje vivamos em contextos urbanos e altamente visuais, nosso cérebro ainda responde de forma automática e rápida a determinados cheiros, especialmente os que indicam ameaça.

Essa resposta rápida acontece porque o bulbo olfativo, primeira estação de processamento dos cheiros, tem conexões diretas com o sistema límbico, sem passar pelo tálamo, que normalmente faz a mediação sensorial. 

Por isso, o cheiro de algo queimando, por exemplo, pode disparar uma reação de alerta antes mesmo de identificarmos de forma consciente o que está acontecendo.

A complexidade do olfato humano

Um equívoco comum é pensar que o olfato humano é fraco em comparação ao de outros animais – uma ideia originada no século XIX, mas já amplamente refutada por estudos contemporâneos. 

Embora a superfície do nosso epitélio olfatório seja menor e não possuamos mais um sistema olfativo acessório funcional (o sistema vomeronasal, responsável pela detecção de feromônios em muitos mamíferos), nosso cérebro compensa essas diferenças com um número significativamente maior de glomérulos olfativos no bulbo – cerca de três vezes mais que os camundongos, por exemplo.

Além disso, a forma como interpretamos os cheiros é consideravelmente mais complexa, envolvendo regiões do sistema límbico relacionadas à memória, às emoções e ao contexto social. 

Ou seja, para nós, humanos, o cheiro nunca é apenas um sinal químico – é uma experiência moldada pelo ambiente, pela cultura, pela história pessoal e pelo estado emocional.

Comunicação química e vínculos sociais

Muito antes da linguagem verbal se consolidar como principal forma de comunicação, os cheiros já eram pistas invisíveis em interações sociais. Ainda hoje, os humanos produzem e percebem sinais químicos que podem influenciar estados emocionais e a proximidade entre pessoas.

Por exemplo, estudos mostram que conseguimos distinguir as emoções de uma pessoa pelo cheiro. Esses sinais químicos, embora sutis, são processados automaticamente e podem nos fazer sentir mais empatia, alerta ou conforto perto de alguém – influenciando decisões sociais sem que a gente perceba.

Escolha de parceiros e diversidade genética

O olfato também tem um papel surpreendente na seleção de parceiros sexuais. Pesquisas indicam que o cheiro corporal pode fornecer pistas sobre a compatibilidade genética entre indivíduos, especialmente em relação ao sistema imunológico (MHC – complexo principal de histocompatibilidade).

De forma inconsciente, pessoas tendem a preferir o cheiro de indivíduos com genes diferentes dos seus, o que aumenta a chance de gerar filhos com maior diversidade imunológica, resultando em maior resistência a doenças.

Além disso, homens conseguem perceber mudanças sutis no cheiro de mulheres durante o período fértil, o que pode ter influenciado comportamentos reprodutivos ao longo do tempo.

Cheiro como bússola afetiva e cognitiva

Ao longo da vida, formamos um verdadeiro “arquivo emocional” de cheiros. Aqueles que nos acalmam, os que alertam sobre riscos, os que nos conectam a pessoas importantes. Isso nos ajuda a navegar no mundo social e ambiental com mais eficiência, mesmo sem perceber.

Além disso, o olfato costuma ser um dos primeiros sentidos a se desenvolver e um dos últimos a se deteriorar. Isso sugere uma função basal e persistente ao longo do envelhecimento, reforçando seu papel como um “sentido-guia” no nosso cérebro – seja para a proteção, seja para a afetividade.

A pandemia e a redescoberta do olfato

A perda de olfato (anosmia) durante a pandemia de COVID-19 foi um divisor de águas na percepção pública sobre a importância desse sentido. 

Muitas pessoas passaram a valorizar o olfato justamente ao perceber o impacto profundo de sua ausência: perda do prazer de comer, distanciamento emocional, dificuldades na higiene pessoal e até aumento de sintomas depressivos.

Essa experiência coletiva revelou que o olfato está longe de ser dispensável, ele influencia nosso bem-estar de forma contínua, mesmo que silenciosa.

Conheça o Centro de Pesquisa do Olfato do Grupo Boticário

Sabendo da importância vital deste sentido, o Grupo Boticário criou o Centro de Pesquisa do Olfato. Esse centro fomenta conhecimento no campo da pesquisa sobre o olfato e sua relação com o comportamento e bem-estar a fim de entender as sensações causadas pelos odores. Com isso, contribui para o desenvolvimento de novas fragrâncias, sempre levando em consideração a diversidade sensorial.

Referências:

Boesveldt S, Parma V. The importance of the olfactory system in human well-being, through nutrition and social behavior. Cell Tissue Res. 2021 Jan;383(1):559-567. doi: 10.1007/s00441-020-03367-7. Epub 2021 Jan 12. PMID: 33433688; PMCID: PMC7802608.

Hecker N, Lächele U, Stuckas H, Giere P, Hiller M. Convergent vomeronasal system reduction in mammals coincides with convergent losses of calcium signalling and odorant-degrading genes. Mol Ecol. 2019 Aug;28(16):3656-3668. doi: 10.1111/mec.15180. Epub 2019 Aug 2. PMID: 31332871.

Hoover KC. Smell with inspiration: the evolutionary significance of olfaction. Am J Phys Anthropol. 2010;143 Suppl 51:63-74. doi: 10.1002/ajpa.21441. PMID: 21086527.

Poncelet G, Shimeld SM. The evolutionary origins of the vertebrate olfactory system. Open Biol. 2020 Dec;10(12):200330. doi: 10.1098/rsob.200330. Epub 2020 Dec 23. PMID: 33352063; PMCID: PMC7776563.