8 de agosto de 2025
NotíciasOlfato em FocoQuando os hormônios alteram o olfato: interações entre cheiros, emoções e cérebro
Você já se perguntou por que certos cheiros parecem mais intensos em alguns momentos da sua vida? Ou por que determinados aromas despertam emoções tão profundas, como conforto, desejo ou até repulsa? A resposta pode estar nos hormônios.
Muito além de um sentido passivo, o olfato é um sistema sensorial altamente conectado ao cérebro e ao corpo e profundamente influenciado por substâncias como estrogênio, testosterona e dopamina.
Neste artigo, exploramos como os hormônios modulam nossa percepção olfativa, moldando não só o que sentimos, mas como reagimos emocional e fisiologicamente aos cheiros ao nosso redor.
O olfato é mais hormonal do que parece
O olfato não atua de forma isolada. Ele está profundamente conectado a circuitos cerebrais complexos, entre eles o sistema endócrino. Hormônios sexuais, como estrogênio, progesterona e andrógenos, influenciam tanto a forma como percebemos os cheiros quanto nossas reações diante deles.
Essa influência se estende desde a detecção dos odores, feita por receptores no epitélio olfativo, até sua interpretação em regiões cerebrais como o bulbo olfativo, a amígdala e o córtex orbitofrontal.
Receptores hormonais no sistema olfativo
Estruturas do sistema olfativo expressam receptores sensíveis a hormônios sexuais, o que as torna responsivas às flutuações hormonais ao longo da vida. O bulbo olfativo, por exemplo, uma das primeiras áreas cerebrais por onde os cheiros passam, apresenta receptores para estrogênio, progesterona e testosterona.
Outras áreas envolvidas na motivação, recompensa e emoção – como o hipotálamo, a amígdala e o córtex orbitofrontal – também são ativadas por estímulos olfativos e influenciadas por esses hormônios.
Estradiol, emoções e olfato
O estradiol é um importante modulador da percepção olfativa. Ele aumenta a reatividade da amígdala a estímulos emocionais, inclusive aos olfativos. A progesterona, por sua vez, influencia a conectividade entre áreas límbicas e pré-frontais, afetando tanto a percepção quanto a carga afetiva associada aos cheiros.
Essas interações ajudam a explicar por que determinados odores parecem mais agradáveis ou incômodos dependendo do estado hormonal da pessoa.
Dopamina: o cheiro da recompensa
A dopamina, neurotransmissor essencial do sistema de recompensa, também participa dessa rede. O estradiol aumenta a atividade dopaminérgica, o que intensifica as respostas hedônicas (de prazer) a certos estímulos – inclusive os olfativos.
Em estados hormonais específicos, cheiros que ativam o sistema de recompensa podem parecer mais prazerosos. Esse mecanismo contribui para a motivação e para a formação de preferências olfativas ligadas ao contexto emocional.
Grelina: a fome que aguça o olfato
A relação entre hormônios e olfato não se restringe aos hormônios sexuais. A grelina, conhecida como o “hormônio da fome”, também desempenha um papel fascinante. Produzida no estômago quando o corpo precisa de energia, a grelina viaja até o cérebro e age diretamente no bulbo olfativo.
Essa ação intensifica a resposta neural a odores de alimentos, tornando cheiros de comida, como pão assado ou café fresco, mais fortes e irresistíveis quando estamos com fome. É uma estratégia evolutiva do corpo para nos motivar a buscar alimento, demonstrando como nossa fisiologia e percepção sensorial estão intrinsecamente ligadas.
Diferenças entre homens e mulheres na percepção olfativa
O sistema olfativo apresenta diferenças estruturais e funcionais associadas ao sexo biológico, moldadas por efeitos hormonais tanto no desenvolvimento quanto na vida adulta.
Estudos mostram que mulheres, em geral, têm melhor desempenho em tarefas de detecção, discriminação e identificação de odores. Essa sensibilidade pode estar relacionada ao maior impacto hormonal do sistema olfativo feminino, além de diferenças na anatomia do bulbo olfativo e na expressão de receptores.
Hormônios e cheiros com valor social
Além da percepção sensorial, os hormônios afetam como interpretamos e reagimos a odores com valor social – como o cheiro de outras pessoas. Andrógenos, como a testosterona, estão associados a mudanças na percepção de pistas químicas ligadas a comportamentos sociais e reprodutivos.
- Feromônios, um debate fascinante: embora a existência de feromônios humanos ainda seja tema de debate científico, é inegável que pistas químicas de outras pessoas, muitas vezes percebidas inconscientemente, exercem influência no nosso comportamento e interações interpessoais.
Olfato e hormônios: uma via de mão dupla
A relação entre olfato e hormônios é bidirecional. Os hormônios modulam a forma como percebemos os cheiros, mas os cheiros também influenciam o estado hormonal, desencadeando a liberação de substâncias como cortisol (associado ao estresse), ocitocina (vínculo social) e até hormônios sexuais.
Esse diálogo contínuo reforça o papel do olfato como um canal sensorial altamente integrado aos nossos estados emocionais, fisiológicos e comportamentais.
O cheiro da nossa biologia
A ciência mostra que o olfato é muito mais do que um sentido de alerta. Ele participa de processos emocionais, cognitivos e fisiológicos, moldados por nossos hormônios e, ao mesmo tempo, capazes de influenciá-los.
Compreender essa relação ajuda a explicar por que certos cheiros despertam lembranças vívidas, sensações intensas ou reações inesperadas. O olfato é, afinal, uma expressão sensorial profunda do corpo em diálogo com a mente.
Referências Bibliográficas
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